domingo, 22 de março de 2009

A ditadura insegura (Gilberto Nascimento - Carta Capital)

20/03/2009 16:23:42


No exílio, o ex-presidente João Goulart, deposto no golpe de 1964, tentava unir as tendências de esquerda e criar um terceiro partido político no País (havia apenas a Arena e o MDB na época). Jango buscava meios de resistir ao regime e pensava em propor um programa político “menos radical” para conseguir voltar ao Brasil. Com esse objetivo, contatava outros exilados, como o ex-governador Miguel Arraes, Darcy Ribeiro, Luiz Carlos Prestes, e líderes políticos do Exterior.

Os contatos incomodavam os militares brasileiros, que monitoravam seus passos 24 horas por dia, como comprovam os documentos inéditos do Serviço Nacional de Informações (SNI) e de outros órgãos militares, obtidos por CartaCapital. A ditadura não queria o seu retorno.

Num documento de 10 de setembro de 1976, três meses antes da morte de Jango, o então ministro do Exército, Sylvio Frota, transmitiu uma ordem, por meio de telegrama, para que Jango fosse preso caso ingressasse no País. “João Goulart deverá ser imediatamente preso e conduzido ao quartel da PM onde ficará em rigorosa incomunicabilidade à disposição da Polícia Federal”, determinou.

Havia uma expectativa naquele momento de que Jango pudesse retornar ao Brasil para depor num processo em que era acusado de peculato. Após o golpe, o ex-presidente foi indiciado na Justiça Militar por suspeitas de corrupção e subversão. A Justiça de Brasília, então, publicou um edital de convocação para interrogá-lo na 4ª Vara Criminal da Capital Federal, ao considerá-lo “em lugar incerto e não sabido”.

Num informe do SNI para o então presidente Ernesto Geisel, em 5 de dezembro de 1975, afirmava-se que os processos por subversão contra Jango poderiam ser usados “como uma arma contra a vinda do nominado que, em caso de desembarque em solo brasileiro, terá, fatalmente, sua prisão preventiva decretada”. Os militares se mostravam surpresos pelo fato de Jango ter sido convocado por edital para depor.

“Não resta dúvida de que o edital de intimação do Sr. Goulart para vir depor no Brasil é uma forma que poderá levar ao seu retorno sob a proteção da Justiça Brasileira e poderá fazer parte de um esquema que, ultimamente, vem procurando proteger personagens da década 54-64 (Juscelino, Lott, Machado Lopes etc) – responsáveis por todos os descalabros que assolaram o País nos últimos anos.” A partir daí, os militares concluíam que a vinda de Jango “provocará reações de toda a sorte, tanto internas como externas e estas, particularmente, se vier a ter prisão preventiva decretada”.

*Confira a íntegra dessa reportagem na edição impressa

sexta-feira, 6 de março de 2009

O assassinato de Jango e a conspiração impune (Pedro Porfírio)


Esta semana, o nome de João Goulart ocupou a mídia por duas notícias: o transcurso da data do seu nascimento, em 1 de março, há 90 anos, e a notícia da publicação de sua anistia.

Hoje, estarei em Brasília e espero me encontrar com o seu filho, João Vicente Goulart, guardião aguerrido de sua memória.

Mas considero oportuna a transcrição da coluna que publiquei aqui na TRIBUNA, em 14 de janeiro de 2008, a propósito de sua morte, um assassinato que até hoje vem sendo escamoteado, apesar das evidências levantadas pelo Instituto João Goulart.

"Não me lembro se colocamos no Isordil, no Adelpan ou no Nifodin. Conseguimos colocar um comprimido nos remédios importados da França. Ele não poderia ser examinado por 48 horas, senão aquela substância poderia ser detectada."

Mário Neira Barreiro, um dos assassinos confessos de Jango, em entrevista gravada por João Vicente Goulart.

Ainda que tardia, a verdade tem de ser resgatada para o bem das civilizações, atinja a quem atingir. Aquele que pretender sepultar a sete palmos fatos que pesaram no destino de uma nação estará cometendo um crime de lesa-pátria contra sua história e, principalmente, contra as futuras gerações.

Por isso, todos os homens de bem deste País, independente de simpatias ou antipatias pessoais e políticas, devem APOIO TOTAL, AMPLO E IRRESTRITO à família do ex-presidente João Goulart, em sua jornada insone para provar dois fatos que hoje são absolutamente inegáveis: o golpe de 64 foi financiado, monitorado, acompanhado de perto diretamente pelo governo dos Estados Unidos, e o ex-presidente João Goulart foi assassinado (6 de dezembro de 1976), num espaço de 9 meses, em que também morreram o presidente Juscelino Kubitschek (22 de agosto de 1976) e o ex-governador Carlos Lacerda (21 de maio de 1977).

Em relação ao golpe, é farta a documentação oficial disponibilizada pelo governo dos Estados Unidos, mostrando que o próprio presidente Lyndon Jonhson monitorou os acontecimentos passo a passo, em linha direta com altos funcionários envolvidos na trama, como mostra gravação de uma conversa entre ele e o subsecretário de Estado George Ball (Youtube ).

Assassinatos em série

Essa ligação revela com todos os detalhes a movimentação de navios de guerra e petroleiros, bem como a disponibilização de munição para os golpistas em caso de alguma resistência.

Outros documentos já divulgados no Brasil apontam o permanente envolvimento da embaixada norte-americana nos nossos assuntos internos, inclusive durante o AI-5, quando o neodemocrata José Sarney foi encarregado pelos autores do segundo golpe de explicar o AI-5 à embaixada norte-americana.

O assassinato de Jango fazia parte de um sofisticado plano internacional, que incluía outras vítimas, como o ex-embaixador chileno Orlando Letelier, "explodido nos EUA", o ex-general chileno Carlos Prates, o ex-presidente boliviano Juan José Torres e dois parlamentares uruguaios - senador Zelmar Michelini e o deputado Héctor Gutiérrez Ruiz - ocorridos na Argentina, após a deposição de Isabelita Peron, em 24 de março de 1976, e a ascensão do mais sangrento bando golpista, comandada pelo general Jorge Rafael Videla, que disputou com o colega chileno Augusto Pinochet a comenda de grão-mestre da tortura e do extermínio de opositores.

Em nome do Instituto João Goulart, seu filho João Vicente requereu à Procuradoria Geral da República que abra uma investigação sobre a morte do seu pai, aos 58 anos. Para balizar seu pedido, João Vicente anexou a gravação de uma conversa que manteve com o ex-agente de segurança do Uruguai Mário Neira Barreiro, juntamente com uma equipe da TV Senado, em 2006, no presídio de segurança máxima de Charqueados, zona metropolitana de Porto Alegre.

Jango morreu em sua fazenda do município argentino de Mercedes, mas sua morte foi resultado de uma operação que ganhou o nome de "Escorpião", estava entrelaçada com a famosa "Operação Condor", a grande articulação assassina que fez centenas de vítimas no Cone Sul da América Latina. Pela detalhada narrativa de Barreiro, que fora jovem militante da extrema direita uruguaia, Jango foi morto por envenenamento.

As cápsulas envenenadas foram postas em frascos de remédios enviados da França para serem entregues, no Hotel Liberty, onde o ex-presidente e a família se hospedavam em Buenos Aires. "Para envenenar Jango, um agente foi infiltrado como funcionário do hotel" - contou Barreiro.

O veneno - um cloreto desidratado num esterilizador - foi preparado pelo legista uruguaio Carlos Miles. Segundo Barreiro, o médico foi morto como queima de arquivo, após ter ameaçado contar o que sabia se não fosse nomeado para um cargo público. O depoimento integra o pedido de abertura de inquérito, protocolado pela família de Jango no Ministério Público Federal em 8 de novembro do ano passado.

É bom que você saiba de um procedimento totalmente atípico. O corpo de Jango não foi submetido a autópsia. Foi direto para São Borja, em meio a uma série de ordens e contraordens que provocaram o sepultamento rápido, ante a pressão do comandante do III Exército, que chegou a demitir o delegado da Polícia Federal que autorizou o traslado do corpo.

Uma figura extraordinária

Tive o privilégio de conhecer Jango pessoalmente, quando, em 25 de março de 1958, como vice-presidente da República, foi à posse do primeiro governador trabalhista do Ceará, Parsifal Barroso, juntamente com os governadores do PTB já empossados: Roberto da Silveira, do Estado do Rio; Gilberto Mestrinho, do Amazonas, e Chagas Rodrigues, do Piauí.

Dessa safra, o único governador trabalhista que não pôde ir à festa no antigo Palácio da Luz (e depois ao almoço na casa do deputado e empresário Raul Carneiro, cunhado de Carlos Jereissati) foi Brizola, eleito governador do Rio Grande do Sul, aos 36 anos.

Como na campanha, me pediram para falar e eu não me fiz de rogado. Foi o suficiente para que Jango me convidasse para conhecer a antiga capital federal. Recebido e "adotado" pelo ex-deputado Waldemar Rodrigues da Silva, um trabalhista gaúcho que presidia o Iapfesp, tive a oportunidade de conversar várias vezes com Jango, apesar de meninote. Ele, que era uma figura singularmente doce, trocava idéias comigo, como se eu já fosse gente grande.

Isso me deu liberdade para dizer a ele, no seu apartamento da Atlântica, esquina de Belford Roxo: "Seu temperamento conciliador ainda vai lhe custar caro. Desde a morte de Getúlio, o senhor está na mira" - disse-lhe uma noite.

No entanto, foi graças a seu jeito que evitou o banho de sangue programado pela CIA e pelos altos funcionários norte-americanos, caso houvesse resistência.

Na conversa de George Ball com o presidente Johnson, eles imaginavam uma guerra civil que "obrigaria" o desembarque de "marines" norte-americanos em nosso território. Mas essa é outra conversa, sobre a qual contarei tudo, oportunamente.

coluna@pedroporfirio.com

quinta-feira, 5 de março de 2009

Governo concede anistia a ex-presidente João Goulart (Tribuna da Imprensa)

SÃO PAULO - A luta de mais de 10 anos da família Goulart pela indenização do tempo em que o ex-presidente João Goulart ficou exilado chegou ao fim. Após 32 anos da morte do petebista, o governo concedeu a ele ontem status de anistiado político, em decisão publicada no "Diário Oficial da União" e assinada pelo ministro da Justiça, Tarso Genro.

De acordo com a decisão, a viúva de Jango receberá da União uma indenização mensal de R$ 5.425, além do pagamento de retroativos referentes ao período de setembro de 1999 a novembro de 2008 - que somam R$ 643.947,50. É a primeira vez que um ex-presidente é anistiado no País.

João Goulart foi presidente da República entre setembro de 1961 e março de 1964, quando foi deflagrado o golpe militar. O petebista foi deposto do governo e seguiu para o exílio no Uruguai e na Argentina, onde morreu aos 57 anos, vítima de um enfarte.

quarta-feira, 4 de março de 2009

"Diário Oficial" da União publica anistia a Jango; viúva receberá indenização de R$ 643 mil

"Diário Oficial" da União publica anistia a Jango; viúva receberá indenização de R$ 643 mil


da Folha Online

O "Diário Oficial" da União publicou na edição desta quarta-feira a anistia política ao ex-presidente João Goulart. A viúva do ex-presidente, Maria Teresa Goulart, receberá uma indenização retroativa de R$ 643.947,50, além R$ 5.425 mensais.

Jango, como ficou conhecido o ex-presidente, foi deposto pelos militares em 31 de março de 1964, ato que desencadeou a ditadura que perduraria no Brasil pelos próximos 21 anos.

Por unanimidade, a Comissão de Anistia, vinculada ao Ministério da Justiça, concedeu anistia Jango no dia 15 de novembro do ano passado. Foi a primeira vez que um ex-ocupante do Palácio do Planalto é anistiado por perseguição política. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu anistia do Ministério do Trabalho em 1994, antes, portanto, de ser eleito --o então líder sindical ficou um mês preso em 1980.

O presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, disse na ocasião que anistiar João Goulart significa acertar as contas com o passado. "Trata-se de um pedido de desculpas ao presidente João Goulart pelo ato de perseguição número um instituído pelo regime militar, que foi a sua deposição."

Para o advogado Christopher Goulart, neto do ex-presidente que representou a família no julgamento do pedido, a concessão da anistia foi um ato de justiça. "É um pedido de desculpa não só a João Goulart, mas por toda a agressão que a democracia brasileira sofreu em 1964", disse.